Forró
pra gringo ouvir*
Por Érico Sátiro
No
final de 2016, uma lista de suas músicas preferidas para praticar atividades
físicas, divulgada pelo ex-presidente dos EUA Barack Obama, tornou-se notícia
no Brasil por uma inclusão inusitada: a faixa “Perro Loco”, da banda Forro in
The Dark, grupo formado em Nova York no ano de 2002, por três brasileiros lá
radicados, e que mistura ao forró elementos da música pop, como a adição de guitarras
e saxofones. Será então que o nosso forró definitivamente se popularizou no
exterior? Ainda não tanto, até porque “Perro Loco” não é exatamente uma canção
de forró tradicional, porém, isso não quer dizer que o ritmo nordestino não
tenha uma boa aceitação em terras estrangeiras. Muito pelo contrário, basta
perceber o sucesso que os músicos do estilo conseguem ao realizar turnês em
outros países, em especial na Europa. Além disso, assim como o Forro in The
Dark, há outros grupos formados no exterior explorando o forró, a exemplo do
Matuto, também nos Estados Unidos, e o Bel Air de Forro, na França, o que ajuda
a difundir o gênero ao redor do mundo.
A
admiração do público e da crítica estrangeira é grande ao ponto de haver
determinados discos de música nordestina que foram lançados exclusivamente no
exterior, até mesmo de artistas consagrados no estilo. Sivuca, Oswaldinho,
Dominguinhos, Camarão e João do Vale são exemplos de músicos brasileiros que
tiveram álbuns lançados ou reeditados somente no exterior. Há algum tempo, não
havia alternativa ao público brasileiro para escutar tais discos, senão
comprá-los em outros continentes. Com o advento da internet, surgiu a
oportunidade de importá-los através de lojas online ou “baixar” os arquivos por
meio de sites de compartilhamento. Atualmente, embora ainda exista a
possibilidade de adquiri-los em sites estrangeiros de cds, pode-se ouvir a
maioria desses álbuns em plataformas de streaming como Spotity ou Deezer. O
reconhecimento do público estrangeiro ao valor do forró não é novidade, mas a
existência desses discos é mais uma mostra, em tempos de invasão do “breganejo”
e dos “forrós de plástico” nas festas juninas, que a autêntica música
nordestina nunca vai acabar. Confiram abaixo alguns desses cds que foram lançados
ou reeditados somente no exterior:
Forró Novo –
Oswaldinho (1997) – Com apresentações e participações em festivais em diversas
partes do mundo, o acordeonista Oswaldinho, conhecido por explorar ritmos como
jazz, rock, blues e até o erudito em seus discos, lançou na Alemanha, pelo selo
Piranha´s, o seu disco mais nordestino da carreira, utilizando apenas sanfona,
triângulo e zabumba. São 13 faixas instrumentais gravadas pelo filho do
forrozeiro Pedro Sertanejo, mesclando canções de sua autoria com clássicos de
Luiz Gonzaga e Dominguinhos, em um dos melhores álbuns de sua discografia.
Accordeon do
Brasil - Julinho do Acordeon (1992) – o acordeonista e maestro cearense João
Aguiar Sampaio, o Julinho, falecido em 2008, é autor de canções como “De Juazeiro
a Crato” (Julinho/Luiz Gonzaga), “Dengo maior” (Humberto Teixeira/Julinho) e
“Carapeba” (Julinho/Luiz Bandeira), todas gravadas por Luiz Gonzaga, além de
“Magoada” (Julinho/João do Vale), interpretada por Clara Nunes, e da
instrumental “Baiãozinho bom” (Julinho/Evaldo Gouveia), uma de suas composições
mais conhecidas. Exímio instrumentista, Julinho também se apresentou em vários
países e gravou diversos LPs em sua carreira, além desse cd lançado na França,
em 1992, pelo selo Kardum. No encarte, texto escrito pela francesa Dominique
Dreyfus, biógrafa de Luiz Gonzaga.
Camarão plays
forró – Camarão (1998) – Reginaldo Alves Ferreira, o Camarão, falecido em 2015,
recebeu em 2003 o título de Patrimônio Vivo de Pernambuco, o que demonstra a
importância do sanfoneiro para a cultura do seu Estado. Dono de um estilo
próprio de tocar acordeon, o músico gravou em 1995, no Recife, as músicas do cd
Camarão plays Forró, lançado somente na Europa, em 1998, pelo selo Nimbus, da
Inglaterra. Com capa extraída de tela da artista plástica Isa Galindo, o cd,
com interpretações no autêntico estilo pé de serra, traz ainda o também
falecido Arlindo dos 8
Baixos em quatro faixas, além de contar com a
participação da cantora Joana Angélica nos vocais.
Brazil: Forró –
Music for maids and taxi drivers (1990) – Apesar de ter uma versão lançada no
Brasil, esse disco não poderia faltar na lista. Em 1981, o produtor e músico
pernambucano Zé da Flauta gravou, em condições estruturais improvisadas e
experimentais, duas fitas com músicas de Toinho de Alagoas e Duda da Passira,
autênticos representantes do forró. Após vendê-las para a Visom Digital,
recebeu o pedido de mais duas fitas, que foram gravadas com Heleno dos 8 Baixos
e José Orlando, em 1982. Vários anos depois, os quatro discos foram compilados
e lançados nos Estados Unidos e Europa com o título de “Brasil: Forró – Music
for maids and taxi drivers”. O sucesso foi tão grande que, além de ter recebido
um prêmio na Inglaterra de melhor capa de cd internacional, em 1990, pela xilogravura
de Marcelo Soares, o disco foi indicado ao Grammy Awards na categoria
traditional folk, em 1991. “Por causa de um disco de forró, estávamos na festa
de premiação dando de cara com nomes como Natalie Cole, Keith Richards (Rolling
Stones), Aerosmith, Billy Idol, Quincy Jones...”, relembra Zé da Flauta. O
êxito da empreitada também acabou rendendo uma edição nacional do cd e um novo
disco de forró: Pé de Serra Forró Band.
Dance music from
the countryside - Pé de Serra Forró Band (1992) – Com o sucesso do “Music for
maids and taxi drivers”, Zé da Flauta foi procurado por Tiago de Oliveira Pinto
(brasileiro radicado na Alemanha), do Departamento Latino-Americano da Haus Der
Kulturen Der Welt (Casa das Culturas do Mundo), de Berlim, para fazer um disco
semelhante, a ser lançado na Alemanha. O produtor reuniu, então, Duda da
Passira (acordeon), Heleno dos 8 Baixos (fole de 8 baixos), Tavares da Gaita
(gaita, reco-reco), Raminho (zabumba, triângulo) e Quartinha (zabumba,
triângulo) para formar o Pé de Serra Forró Band. “Eles (Casa das Culturas do
Mundo) têm um estudo completo sobre o pífano e possuem todos os ritmos
nordestinos escritos em partituras, coisas que nós não temos”, impressiona-se
Zé da Flauta. As gravações foram feitas no Recife, em fevereiro de 1992, e o
disco lançado na Alemanha pela própria Haus Der Kulturen Der Welt.
O poeta do povo -
João do Vale (1965) - Autor de centenas de músicas, o cantor e compositor
maranhense João Batista do Vale teve, no entanto, uma curta discografia. “O
poeta do povo”, seu primeiro disco de carreira, foi lançado no Brasil em 1965,
com boa aceitação do público e da imprensa especializada. “Nesse LP, João do
Vale canta com muita convicção, muita naturalidade e fervor, um punhado de
composições suas, acompanhado por um bom violão e ritmo”, enfatizou o crítico
L. P. Braconnot¹, à época do lançamento. Apesar da qualidade, a obra nunca foi
editada em cd no nosso país. Em 2014, no entanto, pelo selo Doxy Music, o LP
ganhou uma reedição na Europa em que, junto com o bolachão, vem uma versão em
compact-disc. Entre as faixas, clássicos como “Carcará” (João do Vale/José
Cândido), “Pisa na fulô” (João do Vale/Ernesto Pires/Silveira Jr.), “A voz do
povo” (João do Vale/Luiz Vieira” e “Peba na pimenta” (João do Vale/José
Batista/Adelino Rivera).
Domingo Menino
Dominguinhos – Dominguinhos (1976) – Contando com um time de primeira ao seu
lado, formado, entre outros, por Wagner Tiso (piano elétrico), Gilberto Gil
(violão), Toninho Horta (guitarra), Moacyr Albuquerque (baixo) e Jackson do
Pandeiro e seus irmãos Tinda e Cícero (percussão), Dominguinhos gravou, em
1976, um dos grandes discos de sua brilhante carreira. Misturando jazz aos
ritmos tradicionais da música nordestina, o acordeonista pernambucano imprimiu
a sensibilidade marcante do seu instrumento em cada faixa do álbum, deixando-o
mais com cara de mpb do que de forró. “Tem que tocar pra fora, com alegria, com
prazer, senão, mando todo mundo embora. O Wagner Tiso e o Toninho Horta,
acostumados a tocar com o Milton Nascimento, de vez em quando começavam a
entortar, a fazer aquele som fechado, de lata velha. Mas aí, eu explicava que
meu som é diferente, e como eles são flexíveis, compreendiam”, declarou um
exigente Dominguinhos². A incorporação do jazz e outros elementos em sua música
também gerou a incompreensão de alguns críticos, como o jornalista José Ramos
Tinhorão, que, à época, teceu pesados comentários sobre o disco³. A edição em
cd do disco permanece inédita no Brasil, tendo sido lançada somente no Japão,
em 2015. No repertório, quase todas as faixas são de autoria do próprio
Dominguinhos e de Anastácia, com exceção para “Gracioso”, do flautista Altamiro
Carrilho.
Samba Nouvelle
Vague – Sivuca (1961/1962) – Embora este não seja um disco de forró, não
poderia faltar na relação, principalmente pela importância do autor para a
música nordestina. Foi durante o período em que residiu na França, que Severino
Dias de Oliveira, o Sivuca, paraibano de Itabaiana, gravou os álbuns “Sivuca e
os ritmos brasileiros de Silvio Silveira” (1961) e “Samba Nouvelle Vague”
(1962), interpretando choros e diversas canções da bossa nova, como “Samba de
uma nota só” (Newton Mendonça/Tom Jobim). Nas gravações, que também contaram
com outros músicos, Sivuca foi o responsável, além do acordeon, pelos pianos,
vocais, arranjos e guitarras (somente no disco de 1962). Em 2005, a Universal
Music da França reuniu os dois álbuns em um único cd, com o mesmo título do LP
de 1962. Foi disponibilizado na Europa e ainda é possível encontrá-lo com certa
facilidade em lojas estrangeiras na internet.
Richard Galliano
au Brésil – Vários (2014) – Apesar do título, o cd nada mais é que a trilha
sonora do documentário “Paraíba, meu amor”, do diretor suíço Bernard
Robert-Charrue, que se apaixonou pelo forró ao conhecer o ritmo e produziu este
filme sobre o gênero, direcionado ao público europeu e lançado em 2008. Nas
gravações, o acordeonista francês Richard Galliano passeia, toca pela Paraíba e
observa o som de nomes como Dominguinhos, Chico César, Pinto do Acordeon,
Aleijadinho de Pombal e Os 3 do Nordeste. O repertório do disco, disponibilizado
somente na Europa em 2014, em formato de cd duplo, é composto pelos áudios
extraídos exatamente dos números musicais do filme.
Forró Acústico –
Accordéon du Nordeste du Brésil, volumes 1 e 2
– Vários (2007/2008) – Em 2006, o produtor belga Damien Chemin, então
residente em Sergipe, idealizou um projeto de pesquisa de artistas do forró,
principalmente naquele estado e em Alagoas, que resultou na coletânea “Forró
Acústico – Accordéon du Nordeste du Brésil”, lançada em dois volumes pelo selo
francês Cinq Planètes. As gravações, que foram realizadas nas próprias casas e
bairros dos músicos, fora dos padrões convencionais de estúdio, traziam nomes
pouco conhecidos em outras regiões como Olivan do Acordeon, Cachoeira, Bodocó e
Batista do Acordeon, ao lado de músicos de maior destaque como os irmãos
Mestrinho e Erivaldinho, filhos do também forrozeiro Erivaldo de Carira. Os
discos circularam pela Europa e Japão, tiveram boas vendas e ganharam destaque
na imprensa internacional, como a revista francesa Mondomix⁴.
Forró do Baú – Cobra
Verde (2009) – Admirado com o talento do sanfoneiro sergipano Soenildo Santos
Mendonça, ou simplesmente Cobra Verde (também participante da coletânea “Forró
Acústico – Accordéon du Nordeste du Brésil”), o diretor do selo Cinq Planètes,
Philippe Krümm, famoso na Europa pelo seu conhecimento sobre o acordeon, pediu que
Damien Chemin produzisse um disco solo de
Cobra Verde para seu selo. O cd foi gravado em Aracaju, em 2009, mas foi
lançado na França e distribuído na Europa, EUA e Japão pela L'autre
Distribution. Com embalagem caprichada, trazendo livreto com várias fotos em 28
páginas, o álbum apresenta cinco execuções instrumentais e diversos convidados
nos vocais nas outras faixas, como o cantor, repentista e instrumentista
Genovitor, a falecida cantora Clemilda e o baiano Adelmário Coelho, que
interpreta “Carreiro Novo”, de Jacinto Silva. "Chamamos diversos artistas e amigos para participar do cd. Todos gostaram da ideia de participar do primeiro trabalho solo de Cobra Verde, que é muito respeitado em Sergipe", afirma Chemin. Bem recebido pela crítica europeia, o disco impulsionou o músico em uma pequena turnê pela França e Bélgica, além de participação em um festival de música popular na Argentina.
A Festa - Luiz Gonzaga (1981) - Lançado em abril de 1981 e recebido pela crítica com certa discrição, o 39º LP do Rei do Baião trouxe regravações de clássicos como "Paraíba" (Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga) - canção criada inicialmente como um jingle para a campanha política de José Américo de Almeida, na Paraíba - e "Cacimba Nova" (José Marcolino), ao lado de outras músicas que, embora não tenham se tornado emblemáticas, deram brilho à continuidade do consistente e autêntico repertório de Luiz Gonzaga. O álbum registra também diversos convidados especiais: Emilinha Borba, Gonzaguinha, Nelson Valença, Dominguinhos, Zé Marcolino e Milton Nascimento. Sobre este último, que participa da faixa "Luar do Sertão" (Catulo da Paixão Cearense), Gonzaga relatou: "O contato com Milton Nascimento foi simples. Nós nem ensaiamos, todo mundo sabe cantar essa música. Só tive cuidado em afinar com ele, porque ele tem uma extensão de voz muito grande (...). Ele é uma figura interessante, fala pouco, muito pouco"5. Embora o disco tenha sido disponibilizado neste ano em plataformas digitais, a edição em cd permanece inédita no Brasil, tendo sido lançada no Japão, em 1995, pela BMG Ariola. Raríssima, a mídia em compact-disc é oferecida atualmente pela bagatela de quase mil reais no site do Mercado Livre.
Referências:
1. Braconnot, L.P. Coluna Discos, Tribuna da Imprensa, 25 de outubro de 1965.
2. Souza, Tárik de. Coluna Acontece, Jornal do Brasil, 1º de agosto de 1976.
3. Tinhorão, J. R. "O sanfoneiro que subiu para cair", Jornal do Brasil, 16 de agosto de 1976.
4. http://blogs.mondomix.com/accordeon.php/2010/09/25/forro-la-musique-des-cacheros-du-nordest.
5. Dreyfus, Dominique. Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga. Editora 34, 1996, 1ª edição.
A Festa - Luiz Gonzaga (1981) - Lançado em abril de 1981 e recebido pela crítica com certa discrição, o 39º LP do Rei do Baião trouxe regravações de clássicos como "Paraíba" (Humberto Teixeira/Luiz Gonzaga) - canção criada inicialmente como um jingle para a campanha política de José Américo de Almeida, na Paraíba - e "Cacimba Nova" (José Marcolino), ao lado de outras músicas que, embora não tenham se tornado emblemáticas, deram brilho à continuidade do consistente e autêntico repertório de Luiz Gonzaga. O álbum registra também diversos convidados especiais: Emilinha Borba, Gonzaguinha, Nelson Valença, Dominguinhos, Zé Marcolino e Milton Nascimento. Sobre este último, que participa da faixa "Luar do Sertão" (Catulo da Paixão Cearense), Gonzaga relatou: "O contato com Milton Nascimento foi simples. Nós nem ensaiamos, todo mundo sabe cantar essa música. Só tive cuidado em afinar com ele, porque ele tem uma extensão de voz muito grande (...). Ele é uma figura interessante, fala pouco, muito pouco"5. Embora o disco tenha sido disponibilizado neste ano em plataformas digitais, a edição em cd permanece inédita no Brasil, tendo sido lançada no Japão, em 1995, pela BMG Ariola. Raríssima, a mídia em compact-disc é oferecida atualmente pela bagatela de quase mil reais no site do Mercado Livre.
Referências:
1. Braconnot, L.P. Coluna Discos, Tribuna da Imprensa, 25 de outubro de 1965.
2. Souza, Tárik de. Coluna Acontece, Jornal do Brasil, 1º de agosto de 1976.
3. Tinhorão, J. R. "O sanfoneiro que subiu para cair", Jornal do Brasil, 16 de agosto de 1976.
4. http://blogs.mondomix.com/accordeon.php/2010/09/25/forro-la-musique-des-cacheros-du-nordest.
5. Dreyfus, Dominique. Vida do viajante: a saga de Luiz Gonzaga. Editora 34, 1996, 1ª edição.
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